Uma genealogia travesti para pensar o Queer/Cuir na América Latina

Enfoque

Instigada pelo questionamento à validade das teorias Queer no contexto da América Latina, busco recuperar a genealogia de uma discursividade travesti latinoamericana, que antecede e anuncia, ao mesmo tempo em que subverte e desestabiliza, muito do que é, atualmente, entendido como queer. Para essa reflexão pesquiso vivências e corporalidades que, ao contrário de tantas outras, ganharam visibilidade por conta de sua atuação artística e disruptiva, e sobrevivem em memórias ainda em construção, tentando assim, cartografar uma constelação travesti. Madame Satã (1900-1976, Brasil); Pedro Lemebel (1952-2015) e Francisco Casas (1959) – que atuaram conjuntamente como Las Yeguas del Apocalipsis (1987, Chile); Rogéria (1943-2017, Brasil); Batato Barea (1961-1991, Argentina); Giuseppe Campuzano (1969-2013, Peru); Susy Shock (1968, Argentina), e Hija de Perra (1980-2014, Chile), foram e são artistas, que acionaram e acionam processos de descolonização cultural, discursiva e política, dando a ver e assumindo a potência de sua própria monstruosidade (SHOCK, 2015), enquanto corporalidades ”dissidentes” do cisheteronormatividade. E ao pensar nas opressões interseccionais que interpelam suas corporalidades em território latino-americano proponho uma expansão na abrangência do que Wagner Mignolo chamou de ”ferida colonial” (MIGNOLO, 2008) – para referir-se às marcas deixadas nos corpos racializados pelas violências da colonialidade do saber e do poder – somando a essas as violências normativas decorrentes da cisheterossexualdiade compusória propaganda pelo pensamento colonial. O que me leva a entender, assim como o propõe Mignolo, que nessas corporalidades está visceralmente incorporado o pensamento descolonial. Neste processo de investigação, vai-se desvelando minha compreensão, em confluência com a proposta de Hector Domínguez-Ruvalcaba (2018), de que acionar o queer no contexto latino-americano é um processo político alicerçado em sua própria natureza de instrumento cultural e discursivo de descolonização, que perturba a lógica dos sistemas gênero-culturais nacionais, e que implica reconhecer as margens, as exclusões, as abjeções e as opressões aos corpos desviantes. A Teoria Queer na América Latina é um método que se dirige a conhecer os corpos em seu próprio contexto, e seu significado se enriquece graças às interseccionalidades complexas nas quais as expressões sexuais e de gênero não podem ser separadas dos determinantes de econômicos, das restrições religiosos e legais, das exclusões de raça e de classe, ou ainda, das disputas políticas. (DOMÍNGUEZ-RUVALCABA, 2018, p.21).